terça-feira, 3 de abril de 2012

Nosso eterno cantinho na calçada

Cheguei cansada do trabalho. E um tanto frustrada com notícia de horas-extras que prejudicariam meus planos.
Abri o portão e a porta, minhas crianças me receberam como de costume no maior dos amores e felicidade... Afago nas maiores, colo nas menores. As meninas pediam pela tão esperada voltinha lá fora. Tive o impulso inicial de negar, verificar água e comida, trancar a porta e me afundar na minha solidão. Mas eu não podia. Eu estive fora o tempo todo, elas me esperaram em casa e se alegraram nos curtos períodos que voltei. Reuni forças, e as convidei com a palavra mágica: Vamos passear?
Abri o portão, elas saíram felizes pelo gramado.
Com poucas forças para enfrentar o mundo em pé, sentei-me na calçada, pés na rua. E me veio então a mesma imagem que sempre se reconstrói na minha mente quando me sento naquele lugar.
Era final do primeiro mês do ano de 2011. Minha Laika passava por seus últimos dias de vida. Já não tinha forças pra dar sua voltinha noturna, eu a carreguei no colo, a coloquei em pé na grama para que ela pudesse sentir como sentia antes. Mas apesar do esforço, suas pernas não suportaram e ela caiu... A peguei no colo, deitei-a cuidadosamente na calçada, deixando espaço pra que eu me sentasse ao seu lado, no único altinho entre as guias rebaixadas das garagens. E ficamos as duas ali, eu a afagava, segurava sua pata, e sentia meu coração pouco a pouco se apertando, até eu sentir que ele se tornara uma geleia que bombeava meu sangue e doía. Sentia que cada dia estava se tornando mais e mais doloroso pra minha Laika, mas o egoísmo humano falava mais alto, não queria me privar de sua companhia, por mais que isso a fizesse sofrer... Não sei quanto tempo ficamos ali. A mim, parecia que o tempo parava para que pudéssemos curtir a companhia uma da outra. Ela sofria, sei que sofria, mas eu conseguia ler em seus olhos que estava feliz por estar respirando o ar noturno além portões ao meu lado. Ela sabia que, ainda que suas pernas não aguentassem, eu não a deixaria em casa enquanto as outras passeavam.
Naquele dia, soube que o tempo que passou foi grande, pois as outras cachorras já haviam cansado de esperar e entraram por conta própria. Me levantei, peguei a Laika no colo, e entramos. E esse era seu último passeio noturno...
Hoje, sentada no mesmo lugar, instintivamente joguei as mãos pro lado buscando sua cabeça para afagar, sua pata para segurar e assim, de mãos dadas, passarmos um bom tempo... Mas a única coisa que minhas mãos tocaram foi o cimento duro da calçada, ainda quente pela intensidade do calor e sol do dia. Senti novamente meu coração se apertando até se desfazer em uma geleinha dolorida. Instantaneamente o nó se fez na garganta. Olhei para o nada, senti que uma lágrima silenciosa percorria meu rosto.
Já faz um ano, e a cena se repete na minha memória, involuntariamente, todas as vezes que me sento no nosso cantinho.
Lilica, uma vira-latas que nos escolheu por donos, percebeu que eu sofria, enfiou-se no espaço embaixo do meu braço apoiado no joelho como quem diz "Eu também sinto falta dela, mas estou aqui por você".
Dizem que os cachorros vivem menos porque amam mais... Minha estupidez e egoísmo típico dessa espécie medíocre chamada humana não consegue aceitar essa separação. A saudade permanece, continua doendo, continua derramando lágrimas, continua apertando o peito.
Eu sei que eu não devia chorar. Minha Laika era a primeira a vir com a cabeça e a bunda ao mesmo tempo fazendo graça pro meu lado pra que eu trocasse minhas lágrimas por sorrisos. Não é tristeza que me faz chorar, é a saudade, é a falta, são as lembranças... "As lembranças, me chegam sempre em noites tão vazias, e mexem tanto com minha cabeça".
Levantei, sequei as lágrimas, já sorria cercada por minhas cachorras que tomaram suas posições no batalhão de minha proteção.
A dor ainda incomoda no peito. A saudade ainda bate forte. E a lembrança é eterna.
Aquele é o nosso cantinho. E será pra sempre a lembrança do momento da nossa maior união, quando eu praticamente lia seus pensamentos que diziam apenas estar feliz por estar ao meu lado.
Ao afagar o cimento insensível, vou sempre sentir sua cabeça sob minha mão, essa lembrança está cravada dentro do peito.
Me despeço aqui com uma frase do mestre José Fortuna:
"Quem somos nós pra entender tamanha dor, como cabe tanto amor nos corações dos animais"

Saudações