Ah, que lindo domingo de sol.
Domingo? Não, não, hoje é sábado. Ainda é sábado.
Nesse lindo sábado de sol,
analisando do alto o que se passa lá embaixo. O sol está lindo, mas o dia
continua gelado. Dentro de casa, não sei quantos graus, mas faz frio, muito
frio. Aqui na varanda a temperatura parece amena. Amena pra quem? Risos ao
lembrar que, apesar de me sentir em ótima temperatura, minhas peças de roupa
estão dobradas. Dobradas, não de arrumadas, dobradas da matemática, o dobro.
Duas calças, duas blusas, duas meias, não, péra, meias? Duas? Não, são mais. Bem
mais, certeza.
Meros devaneios bobos de quem não
tem nada mais a fazer, senão sentar e ver os carros passando na rua, a beleza
das roseiras do outro lado do muro. Não ter nada o que fazer? É, bem, não é bem
assim. De todas as tarefas, uma já fiz. O casaco. Ahh o casaco preto. Maldito
seja você que lavou o casaco preto junto com a toalha de banho. Mandita seja
minha preguiça. A mãe avisou. Filha, as roupas pretas você lava separado. Tudo bem,
mãe, a preguiça foi maior. Eu sabia que ia ficar com pelos. Tudo bem, os tiro
com fita crepe quando der vontade. Ficou limpo, ficou novo. Meia horinha de
serviço nesse sábado vazio. É, nem tão vazio. Deveria estar limpando o quarto.
Se minha mãe estivesse aqui já estaria gritando pra eu arrumar o quarto. Roupas
e cobertas pra todo lado. Mas não, hoje a mãe não está. Hoje posso arrumar
quando quiser. Ou quando a situação ficar insustentável. Mas hoje a mãe não
está.
Ainda bem que a mãe não está. A
casa está vazia e silenciosa. O meu vazio silencioso. Cada coisa está no lugar
onde eu deixei. Tudo bem, talvez não seja o lugar ideal, mas foi onde eu
deixei. A mãe não está. A casa está vazia. O meu vazio, o meu silencio. Só o
grito da minha personalidade ecoa nas paredes. A casa está vazia. E silenciosa.
Se a mãe estivesse em casa, hoje
seria dia de lavar a cozinha. Lavar. Com água e sabão. A mãe não pede, mas eu
ajudo. Acho meu dever. Acho minha obrigação. Maldito moralismo que me faz por
os pés na água gelada. Frio. Pé gelado. Água gelada. Mas a mãe não está. A
cozinha está limpa. Ainda bem, porque a água está gelada.
Eu ouço, eu vejo, eu sinto. Não,
talvez não sinta. Sim, eu sinto. Sinto que estou sozinha. Sou um ponto que ninguém
nota. Mas eu ouço, eu vejo. Eu ouço pessoas jogando e torcendo. Qual seria o
jogo hoje? Futebol. Talvez vôlei. Ou o basquete. Não, o basquete não, tiraram
as cestas na reforma. Ou transferiram pra outra quadra? Não sei. Não vi.
Deveria ver. É tão fácil, tão rápido, tão perto. Só uma espiadinha. Mas não vi.
Não me interessa tanto, eu não gosto de basquete. Mas nossos times de outrora
foram grandes campeões. A cesta deve tá lá. Ou não. Sei lá.
Mas eu vejo. Do outro lado da
rua, do outro lado do muro, eu vejo. Portão aberto, janela fechada. Jardim
feliz. É, ele é bagunçado, mas é feliz. Deve ser pelas rosas. Um pinheiro, duas
palmeiras, dois mamões. Ou seria mamãos? Não, são mamões, não interessa, são
mamoeiros, planta que dá o fruto mamão. Mamão no jardim. Acho que nasceu
sozinho. Obra do acaso, ou de um passarinho. Meu interior ainda tem
passarinhos. Há também arbustos. Bonitos arbustos. E rosas. Muitas rosas. Rosas
vermelhas, rosas rosas, rosas... não, só vermelhas e cor-de-rosa. As rosas são
lindas. Será que cheiram? Eu amo rosas. Ainda terei um canteiro. Uma coleção de
rosas.
A mãe disse que me daria um
canteiro na reforma. A reforma se foi, e o canteiro não surgiu. O canto
continua com cimento. E vasos. A gente é tonto né? Põe cimento em cima da
terra, ai põe terra dentro do vaso – de cimento – e põe o vaso onde era pra ser
um canteiro. A gente é tonto.
Mas ainda tem um canteiro. Ele
ficou maior na reforma. Agora tem novas palmeiras. Novos pinheiros. Ah e tem o
meu pinheiro. Ele parece se recuperar. Ele vai viver. Sei que vai, peço a ele
isso todos os dias. É meu amigo. Ele olha pra mim e sorri. Eu sei que sorri. Eu
sinto seu sorriso. Agora ele tem filhos. São adotivos, mas são filhos.
Uma colherada do
chocolatequentemingau que eu fiz. Muito grosso pra ser chocolate quente. Muito
ralo pra ser mingau. É pra comer de colher. Pra isso que eu fiz. O que importa
é o sabor. E o pingo dele no moletom limpo. Eu e minha mania. Manias as vezes
atrapalham. Não muito, mas atrapalham. Não passo a colher cheia na borda da
caneca pra não sujar. Não gosto de ver o chocolate sujando a borda branca. A borda
está limpa. E o moletom está sujo.
E esse texto está simplista. Como
a minha alma hoje.
Verdades. Fatos. Inocentes. Impressões
jogadas numa folha de papel.
Saudações.